sexta-feira, 8 de abril de 2016

AS MARCAS DO TEMPO

Escrito por Wilson Midlej




O SEU ANIVERSÁRIO E AS MARCAS DO TEMPO
Tempo… Tempo… Tempo… Ouve bem o que te digo!






Um dia, eu vi um anjo passeando no jardim do Éden;
Sim, era um anjo porque docemente volitava.
Não tinha asas, mas escorria pelo seu corpo, até o fim das costas, duas longas tranças negras, grossas e delineadas, como seus tornozelos. 
Sua tez era branca.  Não alva, mas, branca, quase morena. 
Eram tempos de sonhos projetados, realidades forçando o amadurecer, mas, ainda assim, imperando a pureza, a crença num mundo pleno de arte, de letras, cantos e encantos.
Ainda hoje, a minha imaginação faz esse passeio no jardim do Éden.  Talvez na beira do Éden ou na praça em que está o Éden.  Vejo então, a infância entregando os planos, um pouco modificados, à adolescência.
Olho pra o outro lado e, na janela da casa verde, busco entrever o tronco, o busto da menina de tranças.  O anjo do jardim do Éden. 
Mesmo sem a ver, pressinto sua presença.  Ouço suas músicas preferidas e cantaroladas como se quisesse ora dar ritmo ao seu pensar, ou colar uma trilha musical ao cenário que construía. 
E nessa construção, como as músicas, as cenas se sucediam.  O tempo passava… As distâncias encurtavam, os cenários se modificavam, os rios se degradavam, as pessoas cresciam, outras estacionavam, a alguns morriam, as árvores curvavam-se e novos galhos engrossavam… 
Folhas nasceram, botões floresceram e os frutos… ah, os frutos… 
Uns, conforme o tempo, nasceram e foram servidos…
Outros, rebeldes, inconformados, insatisfeitos com tanta injustiça, adoeceram. Estes, amarelos, ditos de ouro, viajaram para outras paragens. Montados em suas vassouras, como bruxas, transformaram os belos boqueirões e vastas planícies em enrugadas peles, narizes tortos em faces feias.  Os que eram nobres ficaram pobres.
Ah, o tempo!  O tempo recomeçou a passar… A passar… O anjo não mais passeava. Faltava tempo!
Tempo de amar, tempo de cuidar, tempo de criar e procriar, tempo de educar, de educar-se. Tempo, enfim, de viver!
Hoje, tempo passado, muito tempo haverá de vir:
Os cabelos? Ah, os cabelos. 
Já sem tranças, já sem as cores da asa da graúna,  feita de todas as cores, englobando-as para um negro intenso final. 
Cores irrelevantes, brilho intenso é o que importa! 
Hoje, o tempo é aliado. É preciso que demore na sua passagem! 
Permitiu tanto…
Hoje, conheço os novos cabelos do anjo moreno! Não mais são negros. Continuam belos, agora de prata! 
Abençoadas sejam as que permitem que a prata lhe cubra a consciência, lhe envolva a vaidade, lhe mostre a dignidade do envelhecer. Estamos envelhecendo juntos.  O anjo de tantos passeios e eu de tantos devaneios. 
É um privilégio, morena.  Não apenas imaginá-la, mas, vê-la prateada.
Achei que seriam apenas as têmporas.  Vejo agora que a prata se espalhou, inundou quase tudo refletindo as luzes… Inclusive as interiores. 
Não existe mais quase nada do tempo de então. Mudamos os olhares, mudamos as reações, mudamos os valores, mudamos as percepções… 
Só não mudamos os afetos, as doces palavras dos eternos amanheceres. 
Hoje é o seu aniversário… Apenas mais um sinal do tempo…
O tempo que insiste em modificar-nos. Só não conseguiu ainda arrefecer o calor de suas mãos ao grudar na minha pra atravessar a avenida…
Nem atenuou a vibração do meu amor intenso nascido quando ainda era adolescência…
Plantado à beira do rio e, muitas vezes celebrado ali mesmo, no jardim do cine Éden!

Feliz aniversário, menina!

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